terça-feira, 30 de abril de 2019

A Psicoterapia de Jesus

                                                     A Psicoterapia de Jesus


A psicoterapia aplicada pelo Cristo era sua própria personalidade. Impunha-se pelo exemplo e pela autoridade moral. 

Não trouxe um método ou uma técnica padronizada de busca ou de cura, como se lidasse com máquinas. A cada um de acordo com suas necessidades evolutivas: 

Agia com firmeza quando o momento exigisse, com brandura quando a situação comportasse e com silêncio quando o assunto não merecesse palavras. 

Sua personalidade superior exalava amor e equilíbrio. Sua presença derramava unção curadoras no ambiente. Quem com ele manteve contato nunca mais foi o mesmo. Ele curava e provocava reflexões íntimas naturalmente. 

Estar em sua presença significava ter que refletir sobre si mesmo. Ele tocava a alma. Ele não deve ser tomado como um psicólogo comum. 

Sua técnica não está mencionada nos livros das academias, principalmente pela inexistência de um padrão no atendimento às pessoas que o procuravam. A um questionamento, devolvia com outro, o que obrigava o interlocutor a perceber seu próprio processo. 

Não julgava nem criticava, mas levava o outro a perceber-se e a enxergar-se, não apenas no comportamento social, mas, principalmente, na sua consciência. 

Infalível técnica de colocar-se diante do outro como um espelho neutro, que deve refletir aquilo que lhe é mostrado. Se havia alguma, essa era a técnica. 

Sua mensagem, portanto, além de levar-nos a uma conduta social harmônica, convida-nos inadiavelmente a iniciarmos uma auto-análise e uma autocrítica. Mais do que viver bem em sociedade, ela nos conduz a viver em paz com nossa própria consciência, examinando-a constantemente. 

A psicologia adotada pelo Cristo é sempre atual, pois penetra as raízes do Espírito. Não é uma psicologia fisiológica ou mentalista, mas baseada na subjetividade da psiquê humana. Uma subjetividade não inferida, mas auto percebida e auto-sentida. 

Qualquer entendimento que tenhamos da psicologia, isto é, qualquer escola que se adote, a interpretação da mensagem poderá ser feita sem prejuízo de sua essência. É uma psicologia profunda e transformadora. Leva-nos à compreensão da necessidade de mudança e renovação. Quem entra em contato real com sua mensagem exige-se transformação. Obriga-se a uma revisão de valores internos. 

Aqueles comportamentos que antes se davam por imposições sociais, passam a ocorrer por um sentido íntimo de consciência superior de Vida. O cristão não muda por ser cristão, mas por compreender um sentido e um objetivo de Vida. 

A partir dessa percepção, dizer-se cristão, isto é, rotular-se é secundário, não essencial e dispensável. É uma psicologia para o corpo e para o Espírito. Compreende a vida consciente e a inconsciente. Ela não exige o corpo perfeito nem o corpo sadio, mas o corpo respeitado e bem cuidado. Respeitado nos seus limites e nas suas deficiências. Bem cuidado pela busca constante em colocá-lo o mais apto possível ao bom desempenho nas experiências que a vida exige. Para o Espírito, por dirigir-se diretamente a ele, a quem cabe o cuidado com o corpo, seu instrumento de percepção do mundo consciente.

                                      Características da mensagem do Cristo



Sua mensagem transformadora e educativa é portadora de alegria e amorosidade. Aquele que sente a mensagem do Cristo mostra sua alegria interior nos atos mais simples da vida. Sua vivência não é uma demonstração para que o vejam, pois é dirigida para o interior de si mesmo. Ela é vivida de forma natural, espontânea, sincera e sadia. Nos seus momentos de irritação, ele não permite que a alegria interior seja subtraída por muito tempo. Indigna-se, porém não perde o objetivo de seu estado de espírito natural. Permite-se a contrariedade, porém logo se refaz.

Sua mensagem é preventiva e curativa. É um código de ética espiritual e de felicidade pessoal. O cristão sincero sabe que vivenciar a mensagem o prepara melhor para muitos males e aflições, com os quais naturalmente terá que aprender a viver. Pensar e sentir como um verdadeiro cristão coloca-nos em contato com o mais alto código de Vida, trazendo-nos paz e felicidade. O máximo de felicidade alcançável na Terra. 
Seu exercício e sua vivência colocam o ser humano em contato com as forças superiores do universo. Os Bons Espíritos naturalmente procurarão intuir, para as mais nobres missões, aqueles que vivenciam sinceramente a mensagem do Cristo. A mediunidade intuitiva será a forma mais comum de captação das benéficas influências com o Mundo Espiritual Superior, para aqueles que sinceramente vivenciarem a mensagem do Cristo. 
A mensagem do Cristo tem sido divulgada concitando as pessoas à fraternidade, à solidariedade, à comunhão, à consolação, à ajuda mútua e à assistência recíproca. Deve também ser vista como poderosa força de transformação e de vontade de mudança pessoal. Verdadeira alavanca para a motivação e a movimentação da energia que impulsiona o ser humano a viver, também conhecida pelo nome de energia psíquica. 
A mensagem endereçada pelo Cristo é um “roteiro infalível para a felicidade.” É “uma regra de proceder que abrange todas as circunstâncias da vida privada e da vida pública, o principio básico de todas as relações sociais que se fundam na mais rigorosa justiça.” 
De fato, é uma regra de proceder na vida pública (norma externa) como também na vida privada (norma interna). Quando a norma interna alcançar o patamar em que o indivíduo atinja espiritualidade nas suas atitudes, ela será capaz de fazê-lo viver externamente bem na sociedade.
Alcançar espiritualidade é viver consciente da imortalidade da alma, compreender as atitudes humanas, respeitando inclusive os equívocos do outro, agir com calma e equilíbrio diante de situações adversas, ter fé e esperança num mundo melhor, utilizar-se da razão e do sentimento na análise das situações, confiar na presença dos de Deus em sua vida, buscar o crescimento pessoal e ocupar-se em proporcionar que outros o façam, agir para com o próximo da mesma forma que gostaria que agissem consigo, dentre outras atitudes
A mensagem do Evangelho nos convida à busca da alegria além do prazer efêmero. Eleva-nos a alma além das circunstâncias materiais, dando um sentido (objetivo) para a Vida. Um sentido espiritual, que vale para o além, para a eternidade, para o aquém e para o presente. Como mensagem c, o cristianismo traz um conteúdo que deve nos levar à felicidade, como um estado de espírito, ainda enquanto aqui. Os princípios cristãos devem ser perseguidos para utilização aqui e não apenas no além. Vivê-los no presente, para o presente, conseqüentemente para o futuro.
Podemos observar que os primeiros cristãos, face ao fulgor que brotava da essência da mensagem, por muitos séculos, ante ela, permaneceram admirados e em êxtase. Buscavam vivê-la sem consciência de sua transcendência e magnitude. Isso ocorreu durante os primeiros séculos depois de Cristo. Mais tarde, já refeitos do primeiro impacto, politizaram e racionalizaram a mensagem. Transformaram em religião do Estado, oficial e obrigatória. O que ainda perdura até hoje, porém sem obrigatoriedade inicial. Em paralelo a estes, por muitos séculos também, apareceram os sectários e inquisidores que transformaram a mensagem em instrumento de punição e terror, agindo frontalmente contra sua essência de amor e paz. Logo depois, em oposição aos anteriores, surgiram os questionadores e reformadores que buscavam depurar a mensagem, porém deixando ainda marcas que a manchavam. 
Protestaram, provocando reações contrárias que fomentaram guerras que ainda ocorrem em nossos dias. Com o calvinismo podemos notar o surgimento de uma quinta e última geração de cristãos, preocupados em viver plenamente a mensagem. Estes últimos, embora, às vezes, apresentem as mesmas tendências das outras gerações, até porque são os mesmos que retornam Igreja Primitiva, se perseguirem o propósito de aplicarem-na a si mesmos, alcançarão a iluminação apregoada pelo Cristo.
A mensagem cristã, pela sua capacidade de alcançar o consciente e, principalmente, o inconsciente humano, permite que a vida seja vista de um ponto de vista mais claro e menos pesado para o Espírito. A mensagem de Cristo é uma doutrina leve e suave que faz com que os conflitos e problemas das pessoas sejam encarados da mesma forma. 

                                        Princípios Psíquicos

“Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas: não vim para revogar, vim para cumprir.” Mateus, 5:17.


O Cristo assinalou que veio cumprir a lei. Não veio sublevar a ordem vigente, pois não era um subversivo no sentido vulgar do termo. Não queria ser confundido com um rebelde sem causa. Tinha um propósito mais amplo. Sua revolução não era apenas político-social, mas, principalmente, psico-espiritual. Visava atingir o ser humano em sua alma, em sua essência mais profunda. Vinha para educar, fazer evoluir, a fim de que o ser humano transcendesse a materialidade, adquirindo elementos para mudar qualitativamente no seu processo espiritual.

Vivemos sob o domínio de leis sociais, necessárias ao desenvolvimento espiritual, pois elas promovem o equilíbrio e a harmonia na convivência cotidiana. Essas leis traduzem em menor escala, ou tentam traduzir, as leis espirituais de Deus. Estabelecem os limites e disciplinam a conduta do ser humano. Precisamos dessas normas externas até conseguirmos internalizar as leis espirituais, quando então, aquelas se tornarão desnecessárias. A partir daí o ser humano conseguirá viver de acordo com as leis externas, face a existência de uma lei interna moralmente elevada.

Quando a lei interna é moralmente inferior à lei externa, ocorre o embate, cujas conseqüências exigirão processos educativos, aparentes sanções, para o desenvolvimento espiritual. Quando a lei interna é moralmente superior à externa, o ser humano vive em perfeita harmonia, conseguindo influenciar seu meio social, favorecendo o aperfeiçoamento das normas de convivência coletiva. Ele não só se melhora, como concorre para o progresso social, pelo exemplo que vivencia.

Um sentido que pode se perceber nas entrelinhas da citação do Cristo é aquele que nos leva a entender que os caminhos existentes, pertencentes as mais diversas religiões, se seguidos com coerência, podem levar o ser humano ao progresso moral, isto é, obedecer antigos princípios que assinalavam a necessidade do ser humano buscar o crescimento espiritual, sem inventar “verdades novas”. Destruir o antigo pode ser uma forma de fugir a entrar em contato com as dificuldades que temos de enfrentar e com nossos próprios conflitos. Não há necessidade de destruir a lei interna que nos convida ao Bem e ao Amor. Essa lei também nos leva à necessária individuação, ao encontro com o Si mesmo.

A individuação é um processo que se fundamenta no alcançar de certos estados de espírito, que colocam o ser humano na condição de se sentir centrado e em sintonia com princípios éticos superiores. É um processo contínuo e, geralmente, se inicia com uma crise do ego. Diferencia-se da chamada perfeição, por não seguir, necessariamente, as exigências religiosas, nem se limitar à obrigatoriedade de seguir normas externas. 

Ao alcançá-la, o ser humano consegue: 

1. Fazer contato com seu propósito maior na Vida, definindo claramente seus objetivos
2. Entrar em harmonia com as metas que traçou para a atual encarnação, sem se deter em atavismos já ultrapassados
3. Descobrir e realizar seu talento singular, que o diferencia de todos os outros, o qual se constitui no seu caminho seguro para a felicidade interior
4. Ser verdadeiro dentro das capacidades e limites que possui, alcançando o máximo de perfeição possível enquanto aqui.
5. Impedir que os talentos pessoais sejam sufocados pelos complexos inconscientes, reduzindo sua influência na vida consciente
6. Desligar-se das influências coletivas e parentais que impedem a manifestação das potencialidades do Espírito
7. Integrar sua sombra impedindo que ela possibilite a proliferação das projeções
8. Perceber melhor as diversas personas de que se utiliza para relacionar-se com o mundo, facultando uma melhor integração social
9. Melhor perceber a leveza do mundo e quanto o universo conspira a favor da evolução do Espírito 
10.Integrar-se aos objetivos da espiritualidade superior.

Esses conflitos se encontram na consciência, quando lembrados, e no inconsciente, oriundos de eventos esquecidos da presente encarnação ou de encarnações passadas. Eles se agrupam por semelhança e se estruturam em redes denominadas psicologicamente de complexos. São núcleos afetivos que envolvem situações adversas similares, ocorridas nas várias vidas do Espírito. São desejos intenções, motivações não realizados, reprimidos por motivos diversos, que necessitam ser exteriorizados de alguma maneira. Inevitável, como se pode analisar, a formação de complexos, face à complexidade da Vida.

Muitas vezes criamos situações de fuga diante dos problemas a fim de não entrarmos em contato com nossos complexos. Não aceitamos antigos princípios e adotamos mecanismos de defesa para evitar o sofrimento de ter que lidar com a necessidade de encarar de frente o que tem sido constantemente evitado. Na realidade costumamos fugir de nós mesmos. Essa viagem ao encontro do si mesmo é, muitas vezes, evitada face aos inconvenientes que provoca, pois nos faz entrar em contato com nossas imperfeições.

Não destruir a lei, mas cumpri-la é um convite a que observemos nosso mundo interior e não fujamos do necessário embate com nossos complexos. Destruí-los sem perceber-lhes a influência que exercem sobre nós é um equívoco grave. Conhecer-lhes a natureza é o mesmo que penetrar em nosso mundo interior e descobrir como nos enredamos nas teias psíquicas que engendram novos conflitos. Deixar que eles atuem inconscientemente sobre a nossa vida ou simplesmente destruí-los sem lhes conhecer a origem, é permanecer na ignorância sobre nós mesmos.

Não destruir a lei, pois sabemos que a mensagem superior do amor está presente na essência das diversas religiões e filosofias da humanidade. Não é preciso destruir a crença do outro, mas fazer com que ele compreenda o sentido superior que nela existe. A mensagem do Cristo está presente na essência das diversas religiões. Com o coração poderemos enxergá-la em sua inteireza. E com ele conseguiremos viver de tal forma que o outro a perceba

O Cristo cumpriu a lei, pois tornou-se o exemplo vivo de alguém que realizou sua individuação, tornando-se único, singular. Mudou a história da humanidade, por ter realizado, com o máximo de integridade, a sua lei interna. Viveu-a e assumiu todas as conseqüências de seus atos. Esse é o caminho da individuação de todo ser humano. Não destruir a lei interna, mas conhecê-la e cumpri-la é o único caminho que o conduzirá a felicidade, que é sua fatalidade

A tolerância às crenças alheias é um princípio que denota bom relacionamento interpessoal. É um dos sinais da inteligência emocional que necessita desabrochar no Espírito. Reflete a consciência de si mesmo, além da percepção do estágio evolutivo do outro. Quando internalizarmos a mensagem, certamente não nos importaremos com o rótulo religioso do outro, mas sim, em como estamos lidando com a nossa própria crença.

 Todo indivíduo realizado e saudável, em paz consigo mesmo, respeita o outro, mesmo quando ele se encontra equivocado. Com suas observações sobre o comportamento alheio, não procura tomar o lugar da norma externa do outro, mas sim com a melhoria de sua norma interna. Ao mesmo tempo, procura melhorar sua própria norma interna e a externa. O recado do Cristo nos convida à percepção da lei interna, cuja destruição não deve ocorrer. É um convite a que nos perguntemos: qual a norma interna que permitimos vigore em nós? Será rígida? Exigente? Punitiva? Qual a sua medida? É com essa medida que viveremos, pois atuamos externamente como o fazemos internamente. A verdadeira lei interna certamente será aquela que me colocará diante do propósito que devo realizar na Vida e que me conduzirá ao sentimento incomparável de satisfação interior. A essência da mensagem espírita, dirigida ao Espírito, é a mesma do Cristo. Ela deverá ser a norma interna de conduta que se traduzirá no exemplo externo de convivência.


                                                A Terapia do Cristo

                     “Bem-aventurados os que choram, porque serão  consolados.” 
                                                                                                   (Mateus, 5:4.)


As Bem-aventuranças são mensagens de consolação para nós, seres ainda pequenos na maturidade. São poemas de esperança a todos, para que compreendam as verdades eternas. São recados do Filho de Deus para as criaturas de Deus.

Bem-aventurados os que choram, pois estão resolvendo sua velha natureza. Estão concluindo seu processo de expiação, capacitando-se a uma nova vida de oportunidades renovadoras.

O Cristo costumava perguntar àqueles que o procuravam: Queres ser curado?
Tal pergunta demonstrava sua preocupação em que o indivíduo entendesse que o desejo pessoal de quem busca é importante e fundamental fator de cura. O desejo consciente e interno de ser curado responde pela maior possibilidade de alcance do objetivo. O desejo sincero obtém resposta positiva da Vida. Nesse ponto, vemos que o Cristo tinha consciência do chamado efeito placebo, no qual o que cura é um certo fator psicológico ou outro desconhecido, contido no desejo ou na consciência da eficácia do remédio, mas não nele em si, pela sua condição inócua.
O desejo de ser  curado deve corresponder à compreensão do porquê se está doente.
Desejar ser curado sem consciência de que a doença está sendo um grande veículo de aprendizado, pode significar a perda da oportunidade de crescer, bem como a possibilidade do retorno de nova forma dolorosa de aprender.

Ser curado por alguém deve se constituir numa possibilidade do estabelecimento de um marco para o início de um novo ciclo de vida. A pergunta levaria o indivíduo a refletir sobre a força de sua vontade e a importância do desejo interno de curar-se

O desejo de cura não era tão somente do Cristo, mas, principalmente do necessitado. A iniciativa pessoal constitui-se no princípio da cura. Entregar-se à doença, sem procurar os meios de curar-se, significa contribuir para que ela continue seu ciclo de inércia da Vida. Quem tem seus males deve buscar resolvê-los com determinação e consciência de que estar doente ou sadio são estados orgânicos a ser administrados pelo Espírito.

Querer ficar curado é não atribuir ao outro a responsabilidade pelo processo de cura. O salvador de mim mesmo sou eu. O Cristo mostrava que o remédio procurado estava no próprio indivíduo e não fora dele. O remédio é mais interno que externo

A pergunta do Cristo obriga-nos a voltar nossa atenção à nossa vida íntima, aos nossos processos internos de crescimento. Costumamos focar o olhar para os outros, não para ajudá-los, mas para desviar nossa atenção sobre o que nos incomoda. Fugimos de nós, focando os outros

Ele poderia simplesmente dizer: levanta-te e anda. Mas preferiu falar: “Levanta-te, toma o teu leito e anda.” Acrescentava o “toma o teu leito”, isto é, teu chão, tua estrada, tua vida, teu passado, teu mundo interior. Curar o outro não deveria eximi-lo de enfrentar sua realidade. Curar o corpo não é o mesmo que curar a alma. Temos que ter a consciência de que o corpo sadio não garante a felicidade de ninguém, tampouco ser curado significa estar livre de suas provas, necessárias à maturidade.

Tomar o seu leito é estimular a força de vontade que se espera dos que desejam a cura. É estimular a utilização da energia psíquica, mobilizando-a a serviço do próprio progresso. É entender que amadurecer é compromisso pessoal e intransferível. Não se amadurece pelo outro, mas com o outro. Ter sido curado pelo Cristo não outorgou aos que receberam sua energia amorosa o título de salvos ou maduros. Viver ao lado de mestres, santos, missionários verdadeiros, não isentará ninguém de vencer suas próprias limitações e trilhar seu próprio caminho.

Na realidade o Cristo fez um convite a que o ajudado vencesse suas próprias resistências internas. Muitas vezes o que impede a cura de nossos problemas, sejam físicos ou sejam psicológicos, é uma certa inércia inicial que se apresenta na forma de resistência à mudança. Os que se encontram em aflição se situam num estado psíquico que possibilita a busca de soluções para a saída do mal que atravessam. A aflição é uma espécie de crise, e crise significa momento de mudança. É a oportunidade de se rever valores, motivações, desejos e objetivos de vida. É o ponto de referência que o Espírito poderá utilizar-se para iniciar uma nova forma de viver

A tendência do ego em afirmar-se e submeter as circunstâncias da vida aos seus desejos exclusivos, precisa ser transformada. Ele deverá reconhecer que além dele há um centro organizador no psiquismo, que não só o direciona como também o contém. Esse centro diretor, o Self, impulsiona o desenvolvimento psíquico no sentido da realização da sua totalidade espiritual. Por mais elaborada que seja a visão de mundo do ego, pela sua parcialidade e limitação, ela é sempre unilateral, por faltar-lhe a contraparte inconsciente.

Quando a crise se instala é o ego quem sofre, pois ela decorre, geralmente, como resultante das frustrações de seus desejos.
Bem-aventurado, portanto, é o ego que chora por ter seus desejos ilusórios destruídos. Nesse momento poderá tonar-se apto a perceber os reais desejos de sua alma, alcançando o consolo de estar vivendo a serviço do Self.

É o ponto em que se deve mudar para uma vida melhor. É a mudança interior que deve ser buscada, muito mais que a exterior. Há pessoas que, diante da crise, resolvem mudar de lugar, de ares, de trabalho, de casa, viajar, como se a crise dependesse exclusivamente do mundo externo. A mudança deverá ser interior, a partir de uma nova concepção de mundo e da própria Vida.

Ele nos convidava a essa percepção diferente do mundo, quando declarava “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus.” Arrepender-se é convidar a não fazer mais o que se fazia; é não entender a vida com os mesmos valores que se tinha; é, ainda, não se culpar pelo que fez no passado, mas encarar uma nova realidade que se avizinha

Arrepender-se é autoconhecer-se. É fazer um mergulho no próprio mundo consciente e no inconsciente, a fim de modificar suas disposições internas e passar a viver numa faixa psíquica mais elevada. Este estágio mais adiantado é aquele que nos permite viver com a disposição de enfrentar com equilíbrio e humildade os revezes que a Vida nos apresenta.


A proximidade do reino dos céus é a certeza de que ele se encontra no nosso interior. Não é um estado externo, mas interno. É possível alcançá-lo pela sua íntima condição. Não é necessário viajar, nem buscá-lo muito longe. Não está em nenhum lugar mágico ou nas alturas dos montes, nem nas florestas virgens, nem em caminhadas intermináveis. Não se encontra no espaço infinito, mas tão somente no infinito de nossas moradas interiores.


Os aflitos poderão vivenciar inúmeras crises, desde as da infância até aquelas que exigem muita maturidade para enfrentá-las, muitas vezes oriundas de tentativas passadas. Nem todas provocam mudanças, pois a maioria das vezes não lhes aproveitamos o auge para reflexões profundas e para transformações verdadeiras. As crises que provocam mudanças são aquelas que nos exigem investimento emocional numa nova atitude. Decorrem geralmente do relacionamento com um outro, da escolha profissional, da necessidade do equilíbrio financeiro, das relações parentais. São crises que geralmente ocorrem na meia idade, e que exigem renúncia, centração, a partir de soluções duradouras.

A aflição não deve constituir o motivo único de preocupação na vida de uma pessoa. Devemos sempre pensar que nela está uma oportunidade de crescimento. A aflição é bem-aventurada por representar a oportunidade de vitória sobre as forças contrárias à maturidade na vida. Quando percebermos que estamos num estado que pode chegar ao desequilíbrio, é conveniente que façamos uma parada para meditar, orar, e desfocar o problema, a fim de melhor captar a influência espiritual salutar, para o encontro de soluções dos conflitos e para a harmonia das idéias.

O Cristo nos convida à esperança em nós mesmos a partir do estado de espírito que nos predispõe a viver confiantes na certeza de que um mundo interior em paz produz uma sociedade em harmonia.


                                                          O TERAPEUTA MAIOR

                                                                              “Se me amais guardareis os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco, o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; vós o conheceis, porque ele habita convosco e estará em vós.” João, 14:15 a 17


As principais nações do mundo ocidental se formaram sob a orientação religiosa do Cristianismo. Elas alcançaram seu apogeu científico-tecnológico, bem como a boa qualidade de vida de seus povos, após o advento do Cristo. Dois milênios de Cristianismo foram significativos, pois trouxeram importantes avanços no campo das relações sociais, da qualidade de vida e da aproximação entre os povos, em que pese o atraso moral que a humanidade ainda se encontra. A mensagem do Cristo trouxe consolação, esperança e fé para boa parte da humanidade. Ela continua sendo um grande consolador para o ser humano deste século e, com certeza, ainda o será por muito tempo

O alívio que o Cristo prometeu nos leva a entender, dentre outros significados, que sua mensagem promove o bem estar íntimo, fazendo-nos viver numa faixa psíquica superior. Entrar em contato emocional, vivendo sua mensagem, é garantia de disposição íntima para enfrentarmos as dificuldades da vida.

No trecho citado do Evangelho de João, o Cristo também poderia estar se referindo à necessidade de utilizarmos nossa força psíquica interior a serviço do Bem e do Amor , pois, dessa forma, jamais estaremos desamparados.

Ao dizer “Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei.', ele se colocou como um terapeuta que acolhe o ser humano em suas dores e conflitos íntimos. Convidava os sobrecarregados e desgostosos da vida a fim de se abastecerem na sua VIDA amorosa. Ninguém que deseje ajudar alguém deve deixar de tomar a postura de acolhimento, isto é, de compreensão das dificuldades do outro e não de condenação. O Cristo é o terapeuta da humanidade, pois toda a sua mensagem nos dá prova disso.

Quando nos ocorre o desejo de julgar ou recriminar alguém, devemos procurar conduzir nossa crítica de forma a amparar e educar a pessoa. A boa psicologia nos convida a ensinar amorosamente o outro. Quem acolhe o outro se solidariza com ele e se predispõe à empatia. Colocar-se no lugar do outro é a regra áurea para a convivência harmoniosa.

O Cristo age como o verdadeiro terapeuta que acolhe e compreende as dificuldades de seus pacientes. Ele não falava para terapeutas ou para uma classe especial da sociedade, mas dirigia-se à consciência do ser humano.

 Ao afirmar “Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.”, coloca a sua vida, isto é, sua personalidade, como sendo o principal método de trabalho.
Nesse particular as modernas escolas psicológicas afirmam que a verdadeira técnica psicoterapêutica é a personalidade do terapeuta. Podemos estender essa colocação, dizendo que a verdadeira técnica de auxílio ou de convencimento é a vida do próprio divulgador da mensagem. Caso a mensagem não transforme quem a divulgue, certamente ela não está sendo bem assimilada.

A mensagem quer nos fazer entender que, se o ser humano seguir os preceitos cristãos, alcançará a tranqüilidade necessária para enfrentar suas dificuldades. Pode-se entender também que ela se dirige ao mundo íntimo do ser humano, buscando inserir a idéia de que, quando a tivermos apreendido e vivenciado, conseguiremos alcançar o nosso próximo de forma a verdadeiramente educá-lo.

É um convite para que o ser humano assuma a própria vida e não tema o processo de autoconhecimento. Muitos temem o inconsciente, preferindo não conhecê-lo ou negamlhe a existência. Seus aspectos aparentemente densos e obscuros amedrontam os menos preparados. Tais aspectos, se bem compreendidos, tornam-se facilitadores do desenvolvimento espiritual, suavizando a existência.

 Ela, a mensagem, oferece repouso, alívio, redução de tensões e dos medos. Possibilita ao ser humano viver melhor, liberto das culpas e confiante no futuro. O claro fundo psicológico da afirmação consolida nossa percepção de que a mensagem do Cristo se dirigia ao mundo interior do ser humano, a fim de que ele melhor pudesse atuar no mundo exterior. Ela tanto pode ser aplicada objetivamente quanto subjetivamente, isto é, numa ação sobre um objeto externo ou numa internalização de novos valores.

Ao dizer que nos mandaria outro consolador além dele, quis afirmar, face à nossa tendência a encarar a vida de forma pesada e sofrida, que sua mensagem necessariamente era de consolo e que ela estaria sempre conosco. Suas palavras nos levam a entender que o consolador, que ficará eternamente conosco, deve ser algo que permanecerá internalizado, a ponto de não mais afastar-se de nós. Isso nos sugere, além da clássica interpretação de que o cristianismo é esse consolador, que se trata de algo que venha a ser integrado à personalidade, adquirido na vivência da mensagem. O Espírito da verdade (ou de verdade) pode ser também considerado o conhecimento das leis de Deus, isto é, a verdade em nós

Novamente chamo a atenção para que não se pense que pretendo sobrepor a interpretação de que o consolador prometido é a mensagem espírita. Penso que ambas não se excluem. O Espiritismo é a lente com a qual se pode melhor perceber a mensagem cristã, bem como melhor entender o mundo.

Ter conosco o Espírito de Verdade é conseguir melhor perceber-se, pois a mensagem levanta os véus da ignorância, permitindo uma visão clara sobre nós mesmos. A mensagem espírita devidamente assimilada, pela razão e pelo sentimento, implica na capacidade de verdadeiramente nos conhecermos Ao Espírito, princípio da essência divina, chega as leis de Deus. Suas instâncias psíquicas, ego e Self, são instrumentos de elaboração das aquisições de sabedoria, emanadas de Deus. Reter a mensagem do Cristo, no formato espírita, capacita-nos a conhecer melhor a Verdade e a estabelecer melhor juízo de valor sobre as coisas

Devemos considerar, também, que o Cristo consolador está dentro de nós, constituindo-se numa consciência plena da nossa capacidade de renovação e modificação das circunstâncias que nos afligem. A descoberta dessa força renovadora é um processo que pode durar anos, décadas ou até encarnações.

Ser uma mensagem consoladora quer também significar que ela tem a capacidade de harmonizar nosso mundo íntimo. Traz em si a possibilidade de alavancarmos novas atitudes em nosso favor e da Vida. Ser espírita nos convida a mais responsabilidades do que ter uma religião, tendo em vista as concepções precisas sobre a vida espiritual no Espiritismo, o que nos convoca ao trabalho tanto internamente quanto em favor do esclarecimento da natureza espiritual do ser humano.

O cristianismo, se verdadeiramente conhecido e, mais importante, sentido e internalizado em sua essência, é uma das expressões do consolador prometido de preparar o ser humano para as necessárias provas da vida.

A mensagem do Cristo estará sempre conosco, pois por detrás do ego, há o Self, centro diretor e organizador da Vida, que estará absorvendo-a. Enquanto o ego é o centro da vida consciente, o Self é o centro de gravidade da vida psíquica; ambos, ego e Self, são instâncias psíquicas do Espírito imortal, o qual, verdadeiramente, é o sujeito e o objeto da Vida.

                                   MÁSCARAS E PERSONAS

          “Bem-aventurados os humildes de espírito. Porque deles é o reino dos céus.” Mateus, 5:3.


Quando pronunciou as palavras acima, certamente o Cristo se referia àqueles humildes em aprender as verdades eternas e que se colocavam predispostos a entender o sentido e significado da Vida, sem a arrogância característica dos que acreditam já saber de tudo. Pobres em espírito ou pobres de espírito são expressões que podem ser interpretadas de formas distintas. Não importa se encontramos aspectos distintos numa mesma coisa, pois em tudo pode se obter um significado único. E, neste caso, ele é a necessária condição de ignorância para dispor-se a aprender.

Ele se referia a um estado de espírito, a uma condição consciente de se colocar diante do mundo, a uma atitude frente ao novo e ao desconhecido. Novamente ele busca dirigir-se ao ser humano psicológico muito mais do que ao ser humano social, ao interno mais que ao externo. Como naquela época em que aquelas palavras foram pronunciadas, também hoje o ser humano ainda se encontra preso ao mundo exterior, ao mundo da matéria, a que se apega como se fosse a única realidade possível. Ciente dessa condição, o Cristo endereça sua mensagem alertando o ser humano da necessidade de que ele busque colocar sua mente distanciada de uma condição que lhe impeça a visão da realidade espiritual. Condição esta possível graças à humildade e ao desejo sincero de aprender. É como se ele nos convidasse a sempre ver as coisas sob a ótica do espiritual.

Ele costumava colocar que o ser humano deveria se assemelhar à criança nas suas atitudes, devendo aproximar-se de sua pequenez a fim de alcançar o reino dos céus (leia-se: alcançar um estado maduro melhor). Por que não igualar-se tão somente a um adulto responsável? A que atributo ele se referia, presente numa criança e desejável de existir num adulto? Arriscamos dizer que os preconceitos oriundos da educação costumam embotar a plenitude da capacidade de aceitar o novo.

Ser como uma criança é ter a condição não preconceituosa diante daquilo que se deve aprender. É buscar a ingenuidade e espontaneidade da criança.

Do ponto de vista psicológico é colocar sua mente sem a máscara social. É desvestir-se dos condicionamentos externos que impedem o aprendizado pelo Espírito. Colocar-se de forma preconceituosa é reter as coisas no nível do ego, impedindo, pelos mecanismos de defesa, o Self de filtrar o que deve ir ao Espírito.

As máscaras sociais, ou personas, colocam a mente numa condição de assimilação parcial, face as preocupações em se relacionar com o externo, inibindo parcial ou totalmente, a relação com o Self. Colocar-se como criança é permitir desabrochar o Eu interno, ou Self, cuja condição de centro regulador e organizador da psiquê, permite a utilização não conflitante do ego e das personas

A inocência da criança é um estado psíquico de total confiança no futuro, de ausência de medo e de disponibilidade plena para a Vida. O Cristo se referia a esse estado de espírito como condição psíquica para conhecermos as leis de Deus e amadurecimento.

Nas relações com o próximo, a ingenuidade da criança é desejável, pois atenua o poder da mágoa ou do revide. A vingança é fruto da instabilidade psíquica, caracterizada pela assunção de um ou mais complexos à consciência, sem o devido equilíbrio do ego. Os complexos são o ponto de apoio das obsessões espirituais. Não revidar é não se sentir atingido diante da ofensa, que, em realidade, atinge seu emissor. O pobre de espírito coloca sua mente a serviço do Bem, e não dos objetivos do ego ou de alguma persona assumida.

O estado de espírito que não se assemelha ao da criança possibilita que a mente crie barreiras para se defender do mundo, não captando as leis espirituais a partir das experiências vividas. Colocar-se assim, é não precisar perdoar, pois não se sentiu agredido.

O Cristo dizia que “Se alguém quer ser o primeiro, será o último e servo de todos.” , referindo-se, numa perspectiva psicológica, ao complexo de superioridade que normalmente carregamos no inconsciente, e, às vezes, na consciência.
Ser servo é não permitir que o complexo de superioridade assuma a consciência, determinando a conduta e impedindo uma percepção adequada da realidade. Nesse sentido, o Cristo pode ser chamado Terapeuta, que significa “servidor de Deus”, isto é, aquele que cura em nome de Deus. Ele é aquele que serve a Deus sem o complexo de superioridade que infla o ego, atingindo alguns “missionários” que se acreditam superiores aos outros.

Servir é, então, o remédio, segundo as palavras do Cristo, e servir a Deus é a grande terapia para o ser humano. Podemos dizer que o trabalho em favor da Vida é a maior  terapia que se pode aplicar a si mesmo. Quem quiser enfrentar seus conflitos internos deve começar pelo amor. O bem que fazemos aos outros é o bem que fazemos a nós mesmos. Servir ao próximo é o começo da própria cura. Quando é feito com sinceridade e equilíbrio é caminho de libertação. É importante ajudar ao próximo naturalmente, e não apenas como integrante de uma instituição religiosa ou social, qualquer que seja.

Em continuidade ao trecho citado anteriormente, o evangelista recolhe a seguinte afirmativa do Cristo: “... porque aquele que entre vós for o menor de todos, esse é que é grande.” Essa colocação também pode ser vista como uma alusão aos complexos que se revezam entre a consciência e o inconsciente. Quando atribuímos poder ao ego, inflacionando-o, reduzimos a capacidade de aprender pelo Self. Quando diminuímos o poder do ego, ampliamos a capacidade do Self em apreender a realidade. O indivíduo ao elevar-se sem méritos, atribui poder ao ego, inflando-o; dessa forma, vive-se a vida do ego, e não a do Self

Quem deliberadamente exalta suas qualidades, mesmo que as possua, torna-se orgulhoso e vaidoso de si. Esse orgulho cada vez mais estimulado inibe o conhecimento de si mesmo e impede a percepção da sombra, isto é, de suas qualidades negativas e do que desconhece da própria personalidade

A psicologia do Cristo é cristalina quando a aplicamos ao nosso mundo interior. Não há como fugir de si mesmo. A humildade facilita o processo de autopercepção e de manifestação do Self. O orgulho embota a visão do Espírito, cegando-o à compreensão da realidade.

Quando o orgulho aparece, através da auto-elevação do ego, surge a primazia de uma das personas consolidadas  nas tentativas anteriores. Essas personas inconscientes se tornam uma espécie de sub-personalidade. O indivíduo vive artificialmente pela manifestação de uma sub-personalidade, emergida pela energia demasiada atribuída ao ego que lhe dá sustentação. Essa sub-personalidade é nucleada por um ou mais complexos. Como exemplo podemos ver nas pessoas que, em outras experiências estiveram em posições sociais importantes, mas que na atual situação não ocupam lugar de destaque na sociedade, poderá permitir que, pela inflação do ego, essa sub-personalidade assuma a consciência.

Quando não adicionamos excessiva energia ao ego, ampliamos a percepção de nossas próprias limitações, permitindo que enxerguemos a nossa sombra, antes inconsciente. Da mesma forma, a simplicidade facilita a percepção dos complexos inconscientes, trazendo-os equilibradamente à consciência sem que eles predominem sobre o ego. Na humildade o verdadeiro Eu sobressai-se, para que o Espírito possa crescer, desenvolver-se e alcançar sua plenitude.


                                    RAZÃO E EMOÇÃO


“Tu, porém, ao dares a esmola, ignore a tua esquerda o que faz a tua direita.” Mateus 6:3

Não saber a mão esquerda o que dá a direita significa a prática da caridade anônima, a doação desinteressada, a bondade natural, isto é, a tratar o próximo como gostaríamos que nos tratasse. A lógica evangélica nos leva a essa interpretação e nos conduz ao exercício da mais nobre virtude humana: a solidariedade. Ensina-nos que, nas relações interpessoais, devem vigorar o desinteresse e a afeição sincera, que, por sua vez, conduzem a empatia para com o outro

Do ponto de vista psicológico, podemos entender que o Cristo talvez estivesse colocando o cuidado que devemos ter em não permitir que influências prejudiciais do inconsciente nos perturbem. Quando falamos ou agimos, sofremos influências internas, oriundas das camadas profundas do inconsciente, onde se encontram as experiências das experiencias passadas. Nem sempre separamos o presente do passado, onde estão, muitas vezes, culpas e frustrações não resolvidas que interferem na nossa atividade consciente. Até que ponto a antipatia gratuita por alguém é motivada por emoções oriundas do inconsciente e não se devem a influências espirituais? Até que ponto o inconsciente interfere na vida consciente? Para entender sobre isso, é preciso antes falarmos sobre o lado esquerdo e o direito do cérebro.

Sabe-se das funções distintas dos lobos cerebrais. O esquerdo se ocupa da vida objetiva e o direito da vida subjetiva. Em linhas gerais, o primeiro executa o que o segundo planeja. Um se refere à vida material o outro à vida do Espírito. São como órgãos distintos sob o comando do mesmo centro diretor, o Espírito. O desenvolvimento do lado direito se dá com o exercício de atividades ligadas à subjetividade, como por exemplo, a música, as artes em geral, a emoções equilibradas, a relações interpessoais, a meditação, a oração, a meditação, etc. Dificilmente alguém vai desenvolver o lado direito ocupando-se das atividades inerentes ao esquerdo, que se situam no campo cognitivo e motor. Não saber o que faz o lado esquerdo é o mesmo que dizer que cada pessoa deve dar o devido tempo às coisas do Espírito.

No inconsciente, encontram-se arquivadas as experiências acumuladas nas sucessivas experiencias e que fazem parte da personalidade espiritual. O conjunto dessas experiências determina o nível de evolução do Espírito, pelas aquisições morais que já tenha conquistado. Muito embora os maduros estejam mais sujeitos ao inconsciente que os imaturos, estes também possuem, psiquicamente, uma zona inconsciente que lhes influencia as decisões e escolhas. Ao amadurecer, e por muito tempo, até que atinja a perfeição, o Espírito desconhece boa parte de seu passado espiritual.

As influências que sofremos face aos traumas, complexos, culpas, frustrações, ódios, paixões, egoísmo, etc., nem sempre são percebidas na vida consciente. Tentar separar o que vem do inconsciente, daquilo que vem do mundo externo, equivale a aprender a discernir entre suas escolhas pessoais e as escolhas coletivas. Separar o esquerdo do direito é entender quando é que o inconsciente parece querer superar o consciente.

O recado do Cristo pode ser entendido como a necessidade de aprender que é a vida consciente que separa o que está uno no inconsciente. Devemos buscar a percepção da existência de opostos que devem se integrar, para a necessária realização do ser humano. Esses opostos se encontram na base do psiquismo humano.

O psiquismo humano funciona em regime de compensação entre o inconsciente e o consciente. Quando esta relação produz alguma tensão, há a necessidade de se estabelecer o equilíbrio através de algum mecanismo de escape. Os mecanismos mais comuns ocorrem na vida consciente pelos comportamentos naturais do ser humano, isto é, pelos atos comuns da vida, além dos devaneios, fantasias, meditações, rituais, etc. Pela via inconsciente existem os sonhos que aliviam as tensões imperceptíveis. Nem sempre percebemos esse gradiente em forma de tensão, o qual sutilmente nos impele, às vezes, à realização de atos, dos quais nos arrependemos depois.

O ser humano pensa e vive numa dinâmica dialética. O raciocínio trabalha por comparação. Ele está sempre comparando opostos. Sua análise básica se dá entre o que percebe e o que já conhece.
Isso o faz aprender e desenvolver sua capacidade de atuar no mundo. Do ponto de vista emocional, equivale dizer que, nos fenômenos da vida cotidiana, que interferem em suas emoções, ele estará comparando com suas emoções acumuladas no passado. Aquelas que ele já vivenciou e lhe trouxeram felicidade ou sofrimento servem de pano de fundo para suas reações às emoções do presente. Buscar viver emoções equilibradas, bem como escolher as que tragam felicidade além do prazer físico, significa a garantia de desenvolvimento espiritual.

A grande dialética no nível de processo em que se encontra o ser humano ocorre entre razão e sensibilidade, entre a mente racional e a mente emocional. O processo de individuação, de desenvolvimento rumo a uma consciência espiritual superior, requer distinção entre o lado esquerdo e o lado direito, entre a lógica racional e a sensibilidade emocional.

Essas duas âncoras psicológicas da humanidade, razão e sensibilidade, sucederam à sensação e ao dogmatismo que prendiam o ser humano ao instinto e à fixação mental. São novas etapas evolutivas do psiquismo humano. Logo a humanidade entrará na era da intuição superior, onde o cérebro esquerdo, racional, poderá desenvolver habilidades até então do domínio do cérebro direito, subjetivo.

 A civilização saiu do mito para o dogma e deste para a razão. Agora entrará no sentimento e na intuição. O Cristo nos convida a não buscarmos recompensa, tendo em vista que, a grande recompensa é a própria assimilação das leis de Deus ao vivermos em sociedade, com amor e harmonia.

Nossa psiquê, automaticamente, estará absorvendo aquelas leis arquetipicamente. O ser humano deve administrar sua natureza dual, aprendendo a conciliar as características de ser Espírito com as necessidades de viver na matéria. A passagem evangélica nos convoca a encontrar um equilíbrio que nos permita adaptar-nos bem aos dois aspectos da Vida, sem que um perturbe ou se sobrepuje ao outro.



                                                     PSICOLOGIA SUBJETIVA



Há passagens no Evangelho cuja compreensão se torna difícil se não buscarmos uma análise subjetiva, desvinculada da época e da cultura em que foi citada. A análise subjetiva visa buscar o sentido psicológico contido por detrás das palavras metaforicamente utilizadas.

Há aparentes aberrações e contradições em certos trechos, em parte creditadas às traduções e à ausência de vocábulos, à época, que expressassem o sentido que o Cristo pretendia afirmar. Escolhemos alguns trechos que merecem uma análise psicológica a fim de retirarmos as interferências culturais e as limitações linguísticas impostas.

Mesmo que acreditemos que as palavras do Cristo tivessem um sentido e um objetivo únicos, e que visassem permitir exclusivamente uma única interpretação, não poderíamos deixar de considerar que sua percepção por parte de quem as ouvisse ou lesse, sofreria variações de acordo com a cultura em que estivesse inserido, bem como com seu nível de evolução. O que equivale dizer que o Cristo quis passar uma mensagem calcada nas leis de Deus, e o fez através de frases cuja construção permitisse flexibilidade e maleabilidade de compreensão ao longo da evolução do ser humano. O que de fato ocorreu, pois até hoje é possível, e o será por muito mais tempo, entender o significado do amor inscrito em sua mensagem imortal. Se pegarmos, por exemplo, a seguinte colocação do Cristo em

Mateus, 10:37: “Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos e irmãs, e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo.”

A frase propõe uma submissão sectária ao Cristo à custa do afastamento da família, o que depõe contra seu propósito em fortalecer a sociedade a exemplo de um reino onde vigorasse a paz e o amor.

Por outro lado se buscarmos perceber sob um ponto de vista psicológico, notaremos que se trata de valorização excessiva das influências atávicas do ser humano, em detrimento da percepção da mensagem renovadora do Evangelho.

 Durante muito tempo, e por vários processos, seguimos os ditames da cultura, explícitos nos sentimentos ligados à noção de pátria ou nação, nas tradições de clãs e famílias, nos sectarismos de grupos, partidos, castas e sociedades exclusivistas. Essa ligação, muitas vezes, nos impede de avançar ao encontro de sentimentos, idéias e emoções superiores e da valorização de sentimentos altruístas de fraternidade, igualdade e amor. Ligamo-nos psicologicamente a esses determinantes, esquecendo-nos da transformação individual que nos compete realizar.

Aos poucos, e a partir de experiências significativas nas diversas culturas, o Espírito percebe sua inserção numa família maior, a família cósmica. Esse sentimento de integração numa família maior, não o afasta de continuar vinculado a uma família ou clã, nação, etc.

A desvinculação psicológica das ligações parentais é fundamental para o desenvolvimento espiritual do ser humano. Devemos permanecer ligados afetivamente àqueles que fazem parte de nossa família originária, porém devemos aprender a separar as tendências egóicas do grupo familiar daquelas que são da individualidade. Somos Espíritos que devemos realizar o progresso social, porém sem perder nossa individualidade.

O Espírito imortal possui faculdades por nós desconhecidas e que ainda vamos descobri-las ao longo da evolução. O Cristo, com suas palavras, atingia o Espírito buscando facultar-lhe o desenvolvimento dessas faculdades. Para conseguir isso temos que aprender a nos desvincular das influências parentais que nos afastam do encontro conosco mesmos, com o próximo e com Deus.

Ele pede ainda o sacrifício da própria vida, o que seria um contra-senso, pois o objetivo do Cristo é a consciência da vida e de seu valor. A vida que deve ser sacrificada é a do ego com seus desejos de poder e de realizar-se sem se orientar pelos princípios organizadores do Espírito através do Self.

Ir ao Cristo, aborrecendo a família e sacrificando a Vida é o processo de individuação a que se refere Jung, em que o Espírito se ilumina permanecendo consciente de seus referenciais psicológicos sem se deixar determinar-se por eles. É uma mensagem direta ao inconsciente para que este se realize na consciência.

 A psiquê é uma estrutura do Espírito que executa funções complexas a serviço do processo evolutivo. Nela se processam elaborações psíquicas que irão redundar em ações e reações do Espírito. O Cristo falava com a consciência de que poderia alcançar aquela estrutura. As frases, aparentemente desconexas para o ego, não são para a psiquê, pois esta possui a faculdade de decodificar o sentido das mensagens existentes por detrás das palavras.

“Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos.”

Seria absurdo pensar que o Cristo estaria incentivando o descuido para com o funeral necessário ao corpo . Todo corpo merece cuidado digno, seja com cremação ou enterro. Porém,  ele, ao dizer aquela frase, se referia aos excessivos cuidados, não só com o corpo do falecido, como também com seus pertences. Costuma-se agir como se o morto ainda estivesse presente, transferindo-se para os objetos que lhe pertenceram, os sentimentos que se tinha por ele. O alerta do Cristo é para que nos voltemos para o Espírito e não para a matéria. Os mortos são aqueles que se ligam demasiadamente às coisas materiais que pertenceram ao que ja faleceu.

Por outro lado, no aspecto psicológico, podemos entender que, na psiquê, temos aspectos desconhecidos ou negados, os quais Jung chamou de sombra. Ela pode ser negativa ou positiva, pois contém não só aquilo que não sabemos que internamente existe em nós, e que são conquistas positivas, como também conteúdos que negamos em nossa personalidade, por serem aspectos sombrios e de difícil aceitação como componentes de nossa personalidade.

Há conteúdos psíquicos que fazem parte de nossa personalidade e que são responsáveis por atitudes aversivas e inadequadas que ainda temos, aos quais permitimos que continuem influenciando nosso comportamento, cujo valor que lhes atribuímos contribui para que permaneçamos em estágios evolutivos infantis. Embora nossa sombra possua conteúdos bem vivos e atuantes em nós, tornam-se mortos pela forma como os relegamos. São matéria morta da psiquê que nos tornam mortos para a vida. ‘Enterrar’ essa matéria é trabalhar seu conteúdo de forma a diluir seus efeitos até que desapareçam ou se transformem.

A nossa limitação está em conseguir descobrir qual o conteúdo daquela matéria. O que faz parte dela é uma incógnita, a qual nem sempre se descobre a solução. Devemos começar pela auto-análise, onde tentaremos descobrir os dificultadores de nossa existência, que estão dentro de nós.

Muitas vezes choramos ou lamentamos exageradamente alguma dor ou perda, esquecendo-nos que estamos passando por uma ‘morte’ necessária. Alguns aspectos do ego precisam morrer para permitir a expressão do Espírito. Durante a Vida enfrentamos várias mortes e, aprender a dar o valor adequado, nem maior nem menor, às nossas dores é sinal de maturidade psicológica. Não adianta se insurgir contra os ciclos naturais da Vida. É preciso reconhecer quando é o momento de enterrar velhas atitudes, idéias, emoções e escolhas para iniciar um novo estágio evolutivo.

 Devemos também ter a consciência de que não é aconselhável dar mais atenção ao ‘lixo’ do passado, após ter sido trabalhado o suficiente para ser dissolvido. Quem permanece com as sombras do passado acaba por se tornar sombrio. Quem só enxerga o aspecto negativo da existência, torna-se uma pessoa depressiva e triste, contaminando os outros com quem convive.

“Não vim trazer paz, mas espada.”

Parece também contraditória essa colocação do Cristo, mas se analisarmos que a psiquê deve estar sempre num embate entre o consciente e o inconsciente, entenderemos que aquela divisão é o confronto entre os opostos em nós. A divisão que ele veio trazer não é só aquela que nos coloca em confronto com aqueles que ainda não entendem sua mensagem. A divisão se dá quando assumimos sua mensagem como roteiro de Vida e temos que romper com nosso passado, reiniciando a vida sob novas condições.

O ser humano, ao entrar em contato e interiorizar a mensagem do Cristo, entrará em conflito face às exigências do mundo a que está acostumado. Sua psiquê, através do ego, até então acostumado com os mecanismos de defesa frente à necessidade de mudar de direção, ver-se-á na obrigatoriedade de transformar-se. A divisão é a percepção dos opostos e a necessidade de integrá-los para alcançar-se efetivamente a paz de espírito.




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